Quando o jornalismo é um desserviço

Hoje, 04/06/2018, dois grandes veículos de comunicação deram exemplos de como não fazer jornalismo no Brasil – ou, a depender do caráter do observador, exemplos de como fazer jornalismo tendencioso.

O primeiro caso é uma matéria do jornal O Globo cujo título é “Entre impeachment e sentença de Lula, PT perdeu filiados“. Quem ler apenas a manchete, coisa que muito acontece nos dias de hoje, em que boa parte dos leitores não lê o conteúdo, ficará com a ideia de que o número de filiados do Partido dos Trabalhadores diminuiu nos últimos tempos. E isso não é verdade. O que realmente aconteceu, e a matéria até explica, ainda que faça uma série de contorcionismos, é que o número de filiados do PT aumentou nos últimos meses. Ou seja: mesmo após a derrubada de Dilma e a prisão de Lula.

O segundo caso vem da BBC Brasil, com uma matéria cujo título é “Minha Casa, Minha Vida piorou cidades e alimentou especulação imobiliária, diz ex-secretária do governo Lula“. Do jeito que está colocada, a manchete também dá, ao leitor de manchetes, a impressão errada, como se o programa por si só fosse responsável pela piora das cidades e pela especulação imobiliária.

Mas o que a matéria, que é muito boa, realmente diz, é que, basicamente, empreiteiras, imobiliárias e administrações municipais desvirtuaram o programa Minha Casa, Minha Vida, construindo moradias muito distantes dos centros, o que dificulta a vida das pessoas que lá moram. Se isso foi feito com a anuência ou sob protestos do governo federal, não se sabe, pois não há essa informação. Mas chama a atenção o fato de a manchete induzir a uma ideia que não corresponde ao que o conteúdo apresenta.

Se o noticiário é, como escreve o filósofo Alain de Botton, “o mais influente meio de educar as populações”, ele tem uma grande responsabilidade não apenas com a verdade, mas também em como chama a atenção para essa verdade. De nada adianta, principalmente numa época como a nossa, repleta de notícias falsas e de pessoas que se informam apenas pelas manchetes, fazer uma matéria esclarecedora – como é o caso citado da BBC – com um título tendencioso. E adianta menos ainda tentar nublar a verdade, como faz a citada matéria de O Globo.

Infelizmente, não há perspectiva de que esse tipo de coisa vá deixar de acontecer. Pelo contrário: a tendência é que isso se intensifique, principalmente quando sabemos que existe, em boa parte da grande imprensa brasileira – e até em boa parte da pequena imprensa também -, uma tendência a espetacularizar manchetes quando elas envolvem pessoas e/ou partidos de esquerda ou centro-esquerda.

Os dois casos aqui citados são pequenas amostras de um sintoma que, nos últimos anos, chegou a níveis bisonhos. Basta ver no que se transformou a revista IstoÉ. Sem mencionar a Veja, que a certa altura de 2016 publicou uma capa cuja manchete dizia que Lula tinha um plano para fugir para a Itália.

Todos saem perdendo com a expansão do jornalismo sensacionalista e irresponsável. Os leitores que não leem espalham inverdades, os leitores que leem se aborrecem com o veículo, e os veículos perdem credibilidade.

Em tempos de grave crise na imprensa, isso deveria ser levado em conta por quem dirige redações e faz jornalismo. Quem sabe a saída para a crise na imprensa não seja, justamente, fazer bom jornalismo?

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