Piolhos-de-cobra, de Marcondes Araújo

piolhosA literatura é fascinante por uma série de motivos, e aí cada leitor pode elencar os seus – a possibilidade de conhecer novos lugares (tanto reais quanto imaginários), novas pessoas (tanto “de verdade” quanto personagens), novas emoções, novas situações etc. –, mas o que mais me fascina é a possibilidade inesgotável de contar histórias que se baseiam nos mesmos grandes temas: solidão, morte, memórias, entre outros.

Em “Piolhos-de-cobra” (Scortecci Editora, 2013, 72 págs.), Marcondes Araújo maneja esses temas com exímia destreza. Não foi por acaso, portanto, que esse livro venceu, em 2012, do Prêmio Literário Livraria Asabeça, na categoria Contos.

Além de bem escrito – uma qualidade que deveria ser regra, e não exceção, em nossa literatura –, “Piolhos-de-cobra” é um bom exemplo de como um autor pode ser universal escrevendo sobre a sua aldeia – parafraseando Tolstói. Os contos que remetem a cidades interioranas, como “Lurdinha e as Sete Casas”, “O sonho de meu pai” e “Aquela mulher”, por exemplo, tratam de assuntos que transcendem qualquer limitação geográfica: a descoberta da sexualidade; a necessidade financeira que leva uma mãe a tomar uma atitude drástica; um adultério e sua estranha consequência.

Já algumas das histórias que se passam em grandes cidades, como “Elizabeth” e “Jesus-meu-deus” – na primeira, a protagonista é uma empregada doméstica que, por não ter um celular, não consegue se enturmar com as colegas; na segunda, o canto intermitente de um pássaro faz com que o protagonista se depare com uma agremiação religiosa inusitada –, têm um clima um tanto interiorano. Esse amálgama se realiza com perfeição no curto “Sincronicidade”, no qual o protagonista rememora fatos de sua infância no interior e os compara com a sua atual condição na cidade grande, e então um fato grave interrompe sua divagação solitária.

O talento de Marcondes Araújo se revela também em contos que não necessariamente contam uma história, como “A mosca”, “Pensamento esquecido” e “Escrúpulo” – estes últimos um tanto kafkianos. No primeiro, o protagonista narra, ao mesmo tempo, o monólogo de um colega e a trajetória que percorre uma mosca; em “Pensamento esquecido” temos um personagem que, numa festa do trabalho, tem uma epifania que chega a contagiar seus colegas e seu chefe – o problema é que, no dia seguinte, ele se esquece completamente do que lhe veio à mente; e, em “Escrúpulo”, temos uma situação circular, que não sabemos se vai ou não ter fim.

Nascido em 1961, em Senhor do Bonfim, Marcondes Araújo mora há mais de vinte anos em Feira de Santana, onde é jornalista. Publicado em 2013, “Piolhos-de-cobra” – que pode ser adquirido através do site da Livraria Asabeça – é sua estreia em livro. De lá para cá, o autor lançou outras duas obras, também de contos: “Jeremias Ladrão-de-cavalo” (2014) e “minimalismo” (2015). Fica a torcida para que o ritmo de publicações se mantenha, e para que mais leitores o descubram.

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